sábado, 27 de junho de 2009

UM SÁBADO


A pérola escorregou
das mãos felinas
das unhas compridas
e rompeu silêncio em queda livre

sobre tapete macio.

A senhora tem os lábios entreabertos
os olhos grudados no espelho, despertos
as mãos sob o queixo, displicente
os sentidos voltados para o tempo
quase ausente.

Espera que lhe abram a porta
que elogiem sua etérea beleza
que lhe sirvam com pompa à mesa
como o prato principal.

(o nada acontece)

Quebra espelho de sonhos
rompe-se a lágrima
de seu olho de vidro...
momento infinito
de desilusão feminina.

quinta-feira, 18 de junho de 2009

EU ANDO DE UM JEITO...

Eu ando de um jeito tão esquisito!
Ultimamente, cada vez que mordo o sanduíche procuro um sabor melhor... é!, fico pensando: 'a próxima mordida vai ser melhor, vai ser melhor...' Importante e certeiro é que, findo o dito, não encontrei ainda aquele pedaço que me arrebataria ao mundo flavorizado dos sentidos primais, aquele que, seiva que mata todas as fomes, pede passagem entre meus órgãos para aninhar-se, quietinho, em meu estômago agoniado, esboçando sorriso satisfeito na cara, pensamento vitorioso: "Consegui agradar a louca!". Daí, então, a fúria que fica Ernestine, minha hérnia de hiato, coitada... aí ela pede mais, mais, mais! Desaforada e desatenta a minha 'fora de forma', se justifica toda, injuriada: "Aquele gostinho ainda não passou por aqui!". E a procura do 'gostinho' vai. Escondido na memória num canto tão inacessível que nem minha saliva assanha.
Sigo teimosa na busca. Vou na locadora, dedos à frente de meu próprio corpo a escolher, escolher. Quero a comédia mais perfeita, que me faça rir até a exaustão! A moça atendente, ausente de meus gostos, minha idade, meu perfil, oferece:
- Tem essa com o Adam Sandler... é muito boa... -com cara de mosca morta.
Dou o meu 'gostinho' mordaz a ela, num entre dentes:
- Detesto as comédias do Adam Sandler! - ela me odeia, eu sei!
Mudo o menu, agora me irritei e quero ficar tensa, com medo mesmo! Quero o melhor suspense da casa! Baixem o melhor suspense já que a neura do sanduíche ainda está na minha mente! A dita moça, pensando agora que eu sou uma mentecapta, sugere:
- Vais gostar de 'Eu sei o que vocês fizeram no verão passado, a tal e tal hora, em tal e tal lugar número 16'... é um excelente suspense...
- Como? É o número 16 e ainda prima no suspense!? - estou estupefata.
A atendente resolve chamar outra moça. 'Não quero!' Na verdade, só estava no meu cantinho, escolhendo um filme... não quero falar com ninguém e muito menos recusar o gosto dos outros (principalmente quando euzinha é que vou pagar, gostando ou não). Me decido então por um filme de machos: Clube da Luta! Êba! Quero ver a porrada correr solta.
E corre mesmo. Pitt versus Norton. Norton versus Pitt. (como é que o Edward Norton pode ficar tão interessante com a boca partida e o nariz mole? A maioria preferiria o Brad Pitt, eu sei, mas eu ainda estou procurando pelo 'gostinho', sabe? Não pode estar no óbvio... loiro, olhos azuis, rostinho de menina... argh! Deve estar no Norton... pele branca azulada, cara de ratinho, olhos estreitos que nem dão pra ver cor).
E o tal gostinho, que não vem! Vou ler um livro.
Oscar Wilde. Não... dandy inglês... troço meio elitizado e nojento... Elysio de Carvalho e seu Five O'clock... perfeito! Melhor, só se tivesse absyntho aqui em casa...
O cara começa meio aqui, meio lá... "As minhas visões têm a cor do amargurado. A paisagem impregnada daquela tristeza infinita que paira no jardim de Elseneur... - número 1, uma nota, não está no rodapé como eu gosto, vamos ao final do livro... que diabo é esse lugar 'Elseneur'? Bem poderia ser 'Elsewhere', esse eu conheço! Que saco! Não estou com paciência para notas!
Vou me deitar. Quem sabe no meu desvario, lá em Elseneur, Edward Norton me venda um sanduíche que tenha o gostinho daquele da dona Jaci do colégio Viriato e que, regado a absyntho, passe pela inspetoria da Ernestine numa boa, enquanto eu sento à mesa de um bar acompanhada por Elysio e Wilde...

quarta-feira, 17 de junho de 2009

O PUNHAL E A FERIDA



Caiu sobre a carne macia. Entrou, separando a agonia das células e, em selvagem grito-mudo-agudo, traduziu-se por inteiro, mostrando a que veio.

Instrumento afiado-cego-de-paixão quer cumprir seu mandamento. Conquista o espaço feito pelo tempo e dele não abre mão (punição!)

Cai dentro da ferida e explode em agonia de algoz. Estremece, como a primeira vez, sem lembrar que o que passa é re-edição do que já se fez...

E a ferida... punida pelo quere de eterna maldição, é redenção.

Cai o punhal, embainhado em sangue. O algoz chora o sorriso da vítima - libertação!

terça-feira, 16 de junho de 2009

NULO

Na casa abandonada da montanha
no ranger de suas portas solitárias
na vida do que não possui vida.

No sepulcro do faraó adormecido
no escuro de breu da sua morada
dentro do silêncio, esquecida.

No cais do navio morto
ouvindo o lamento de extintas baleias
todas as minhas vidas alheias
dos passos que dei por este porto

No que deveria ser dito (e jamais o foi)
No encontro de ontem (que não aconteceu)
Procurando o algo (que já morreu)
Deixando a vida em eco (para depois...)

O ENCANTO


O mago do sexo
envolveu a mulher
em um aromático
inebriante
nevoeiro de orquídeas.

O cheiro oposto -
misto de contágio
alucinação
A dominação -
extensão de pele
percorrida.

E ele bebeu de seu beijo
e a encheu de desejo
e suas almas se tornaram cruéis.

GRANDES MOTIVAÇÕES...

Hoje, dia qualquer, pouca luminosidade, vento frio subindo pelas pernas, verifico que a 'cirurgia' tão bem fechada (desde 2007), os 'pontos' tão cerzidos e já indolores, necessita ser reaberta...
Volto aqui, dentro do Armário fechado, vendo através do Cióptico do Monstro... o Dragão! E, constato: Ele me recebe bem!
A volta ao Armário, o retorno aos braços do Dragão, veio galopante. num desejo, a partir de fato cotidiano e, aparentemente, burocrático, programático, didático...
Hoje, após assistir uma palestra com o cronista Walter Galvani que tão bem entende do Sentimento do Dragão, reflito sobre suas palavras... e vejo que, uma vida como a dele, tão cheia de êxitos no campo da palavra me dá ímpetos de retornar aqui. Na verdade, as palavras que me fizeram voltar realmente ao Armário nem eram de fato dele: de Sartre vinha a seiva do meu dia - algo como: 'todo dia, uma linha'... Ah, Galvani, as palavras são de Sartre, mas o uso oportuno que fizeste delas tomara tenha sido tão proveitoso para os demais alunos do mestrado em História da Literatura quanto o foi para mim.
No entanto, mais poderosas do que as palavras de Sartre e Galvani, Rosa, as tuas foram as decisivas... obrigada por me fazer sacudir a poeira e lembrar que o Dragão ainda existe... e que ainda espera 'tradução'...